quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O agente comunitário de saúde e suasatribuições: os desafios para os processosde formação de recursos humanos em saúde


O agente comunitário de saúde e suas
atribuições: os desafios para os processos
de formação de recursos humanos em saúde


Acredita-se que por serem (os agentes) pessoas do povo, não só se
assemelham nas características e anseios deste povo, como também
preenchem lacunas, justamente por conhecerem as necessidades
desta população. Acredito que os agentes são a mola propulsora
para a consolidação do Sistema Único de Saúde, a organização das
comunidades e a prática regionalizada e hierarquizada de
assistência, na estruturação dos distritos sanitários. Ser agente de
saúde é ser povo, é ser comunidade, é viver dia a dia a vida daquela
comunidade.(...) É ser o elo de ligação entre as necessidades de
saúde da população e o que pode ser feito para melhorar suas
condições de vida. É ser a ponte entre a população e os profissionais
e serviços de saúde. O agente comunitário é o mensageiro de saúde
de sua comunidade. (Dirigente da Fundação Nacional de Saúde,
Brasil, 1991, p.5)
Joana Azevedo da Silva 1
1 Enfermeira; Coordenadora Geral da Política de Recursos Humanos da Secretaria de Políticas do Ministério da Saúde.

2 Médica sanitarista, Centro de Saúde-Escola Samuel B. Pessoa – Universidade de São Paulo; coordenadora do Projeto São Remo.

DEBATES

Ser agente comunitário de saúde é, antes de tudo, ser alguém que se
identifica, em todos os sentidos, com a sua própria comunidade,
principalmente na cultura, linguagem, costumes; precisa gostar do
trabalho. Gostar, principalmente, de aprender e repassar as
informações, entender que ninguém nasce com destino de morrer
ainda criança ou de ser burro. Nós vivemos conforme o ambiente. É
obrigação dos agentes comunitários de saúde lutar e aglomerar forças
em sua comunidade, município, estado e país, em defesa dos serviços
públicos de saúde, pensar na recuperação e democratização desses
serviços, entendendo que é o serviço público que atende à população
pobre; é preciso torná-lo de boa qualidade. Precisamos lutar por
outros fatores que são determinantes para a saúde como: trabalho,
salário justo, moradia, saneamento básico, terra para trabalhar e
participação nas esferas de decisão dos serviços públicos. (Agente
Comunitária de Saúde – Recife, Brasil, 1991, p.6)
Introdução

No Brasil, o Programa de Saúde da Família (PSF) pode ser visto como uma
retomada de proposições contidas nas políticas públicas federais que
estiveram em evidência, desde meados dos anos setenta, até início dos anos
oitenta. Nesse sentido, destacam-se o Programa de Interiorização de Ações
de Saúde e Saneamento (PIASS) - 1976 - e o Programa Nacional de Serviços
Básicos de Saúde (7ª Conferência Nacional de Saúde, 1982), que visavam à
extensão da cobertura e ampliação do acesso a serviços de saúde para
grupos sociais ainda marginalizados (Donnangelo & Pereira, 1976),
moradores em regiões de baixa densidade populacional, ou pequenos
centros urbanos da Região Nordeste, com condições de saúde muito
precárias. Pode-se considerar, de certa forma, que essas políticas tiveram
alguma continuidade em diversas iniciativas de âmbito regional ou local, e
que se traduziram em programas de tipo agentes comunitários de saúde,
encampados pelo Ministério da Saúde como programa nacional, o PNACS, em
1991 (Jatene et al., 2000). Documentos do Ministério da Saúde, de 1997 e
1999, reforçam o entendimento do PSF como uma estratégia para
organização da atenção básica à saúde no país (Brasil, 1997 e 1999a) e, a
partir de 1998, para a realização dos princípios do SUS — a integralidade, a
universalidade, a eqüidade.
Atualmente, esse tipo de Programa encontra-se em fase de expansão,
tanto em áreas rurais como em centros urbanos. Além disso, esses modelos
vêm sendo, cada vez mais, implantados em grandes cidades e áreas
metropolitanas, mantendo, entre seus pressupostos e estratégias de
intervenção básicos, as perspectivas de ampliação do acesso e de extensão de
cobertura por serviços de saúde para parcelas específicas da população
brasileira, de racionalidade técnica e econômica, de integralidade e
humanização do atendimento, de participação popular em saúde, o
estabelecimento de vínculos e a criação de laços de compromisso e de coresponsabilidade
entre os profissionais de saúde e a população.

DEBATES

Agente comunitário de saúde: a expectativa de atuação, as competências
Historicamente, a idéia que apoia a inserção do agente comunitário de saúde
envolve um conceito que, sob as mais diferentes formas, nomenclaturas e
racionalidades, aparece em várias partes do mundo, ou seja, a idéia essencial
de elo entre a comunidade e o sistema de saúde. Mais recentemente, no PSF,
eles foram incluídos em equipes de trabalho que contam com um médico,
um enfermeiro, um a dois auxiliares de enfermagem, com proposta de
atuação para a unidade básica, o domicílio e a comunidade. Entretanto, se
por um lado, a definição das atribuições tem sido um dos resultados mais
efetivos das negociações locais, segundo as suas realidades, os seus
contextos, os seus agentes, por outro lado, a partir de uma recuperação
histórica analítica desse sujeito, de sua inserção, do seu trabalho - ações e
interações - consegue-se apreender as principais idéias e conceitos
subjacentes à proposição de agentes de saúde em cada um dos momentos e
contextos históricos (Silva, 2001). Assim, desde a proposição do Auxiliar de
Saúde, no PIASS, em 1976, até o Programa de Saúde da Família, com as
especificidades de uma metrópole, em 2001, como agente comunitário de
saúde, embora com graus variados da ênfase colocada, consegue-se
identificar dois componentes ou dimensões principais da sua proposta de
atuação: um mais estritamente técnico, relacionado ao atendimento aos
indivíduos e famílias, a intervenção para prevenção de agravos ou para o
monitoramento de grupos ou problemas específicos, e outro mais político,
porém não apenas de solidariedade à população, da inserção da saúde no
contexto geral de vida mas, também, no sentido de organização da
comunidade, de transformação dessas condições. Este componente político
expressa, na dependência da proposta considerada, duas expectativas
diversas ou complementares: o agente como um elemento de reorientação
da concepção e do modelo de atenção à saúde, de discussão com a
comunidade dos problemas de saúde, de apoio ao auto-cuidado – dimensão
mais ético-comunitária - e o agente como fomentador da organização da
comunidade para a cidadania e a inclusão, numa dimensão de transformação
social. Um outro aspecto bastante encontrado na prática, mas não
relacionado nas atribuições dos agentes de nenhuma das propostas, é a
dimensão de assistência social. Assim, o agente aparece, nos diferentes
programas oficiais, como um personagem fruto de uma tentativa de juntar
as perspectivas da atenção primária e da saúde comunitária, buscando
resolver questões, como o acesso aos serviços, no que lhe corresponde de
racionalidade técnica, mas também integrando as dimensões de exclusão e
cidadania, ou seja, o desafio de juntar o pólo técnico ao pólo político das
propostas.
Nogueira e Ramos (2000) identificam, no trabalho do agente, a dimensão
tecnológica e a dimensão solidária e social, as quais consideram que têm,
sempre, potenciais de conflitos. Essas dimensões expressam, possivelmente,
os pólos político e técnico do Programa, acima referidos. Este é o dilema
permanente do agente: a dimensão social convivendo com a dimensão
técnica assistencial. Ao incorporar essas duas facetas em suas formulações,
o conflito aparece principalmente na dinâmica da prática cotidiana.

DEBATES


Determinados programas acabam dando mais espaço para um ou para o
outro pólo; nenhum dos programas de saúde da família fez a síntese. No diaa-
dia, os agentes são colocados diante de contradições sociais, o que é
“muito pesado” e, por isso, eles fazem determinadas opções, segundo as
exigências, as recompensas e suas referências.
Em estudo desenvolvido sobre o agente comunitário de saúde do Projeto
QUALIS/PSF, no município de São Paulo, Silva (2001) identificou que o
agente comunitário não dispõe de instrumentos, de tecnologia, aqui
incluídos os saberes para as diferentes dimensões esperadas do seu trabalho.
Essa insuficiência faz com que ele acabe trabalhando com o senso comum,
com a Religião e, mais raramente, com os saberes e os recursos das famílias
e da comunidade. Há saberes de empréstimo para o pólo técnico, não os há
para a dimensão considerada como mais política, nem há propostas ou
trabalho consistente do “agir comunicativo”.
Documento do Ministério da Saúde (Brasil, 1999b) enfatiza a necessidade
de que, face o novo perfil de atuação para o agente comunitário de saúde,
sejam adotadas formas mais abrangentes e organizadas de aprendizagem, o
que implica que os programas de capacitação desses trabalhadores devam
adotar uma ação educativa crítica capaz de referenciar-se na realidade das
práticas e nas transformações políticas, tecnológicas e científicas
relacionadas à saúde e de assegurar o domínio de conhecimentos e
habilidades específicas para o desempenho de suas funções.


A busca de alternativas que propiciem a construção de programas
de ensino com tais características, leva à incorporação do conceito
de competência , cuja compreensão passa, necessariamente, pela
vinculação entre educação e trabalho. (Brasil, 1999b, p.4)


O conceito de competência é expresso como “a capacidade pessoal de
articular conhecimentos, habilidades e atitudes inerentes a situações
concretas de trabalho” (Brasil, 1999b, p.4).
Ainda o citado documento, propondo-se a subsidiar os Pólos de
Capacitação do PSF, as Escolas Técnicas de Saúde do SUS e outras
instituições participantes do esforço de preparação de recursos humanos
para a estratégia de saúde da família, define, para o agente comunitário de
saúde, sete competências: trabalho em equipe; visita domiciliar;
planejamento das ações de saúde; promoção da saúde; prevenção e
monitoramento de situações de risco e do meio ambiente; prevenção e
monitoramento de grupos específicos; prevenção e monitoramento das
doenças prevalentes; acompanhamento e avaliação das ações de saúde. A
complexidade e a dimensão dos desafios colocados podem ser ilustradas
quando se toma a caracterização, por exemplo, da competência Promoção
da Saúde:


capacidade para participar da promoção da saúde, na sua área de
abrangência, através do desenvolvimento de trabalho educativo, do
estímulo à participação comunitária e do trabalho intersetorial,
com o objetivo da qualidade de vida. (Brasil, 1999b, p.16)



DEBATES

Algumas questões logo aparecem: que saber é necessário para esse saber
fazer? Como garantir esse saber que não é apenas o da saúde?
Outras dimensões importantes a considerar quando se discutem as expectativas de atuação do agente comunitário de saúde e os desafios para os processos de preparação desse “novo” perfil, referem-se aos mecanismos de seleção, aos processos de capacitação, aí incluídos os treinamentos introdutórios e a educação continuada e a sistemática de supervisão
adotada.
O saber científico que orienta a Medicina e as áreas correlatas, ao ser aplicado a situações concretas desdobra-se em saber operante, uma vez que deve dar conta de outras necessidades não recobertas pela ciência, como os valores, as condições de vida, as relações afetivas (Mendes-Gonçalves, 1994).
No trabalho do agente, no realizar ações e interações, há uma série de situações para as quais a área da saúde ainda não desenvolveu nem um saber sistematizado nem instrumentos adequados de trabalho e gerência, que compreendam desde a abordagem da família, o contato com situações
de vida precária que determinam as condições de saúde, até o posicionamento frente à desigualdade social e a busca da cidadania. Para dar conta da elaboração do saber a partir do trabalho (Abbott, 1990), os espaços de supervisão e a gerência são fundamentais. No entanto, a
supervisão individual tende a priorizar a resolutividade, “não deixar o problema aumentar”; a reunião da equipe privilegia o caso individual e a doença; a gerência da unidade costuma ter uma atuação muito pequena na conformação do trabalho da equipe e do agente. Quando se considera o plano objetivo do Programa, o agente se vê como educador para a saúde, organizador de acesso (cadastrador e orientador do uso de serviços) e “olheiro” da equipe na captação de necessidade, identificação de prioridades e detecção de casos de risco para intervenção da equipe (Silva, 2001). Se a identidade do agente pende mais freqüentemente para o pólo técnico, aquele das ações da instituição e da assistência ao indivíduo, como evidenciado em vários estudos, a equipe, na sua função de gerência da proposta, envolvendo a supervisão do médico e do enfermeiro, e mesmo o trabalho formal do gerente da unidade, parece pouco ver as atribuições desses dois pólos ou orientar mais um ou outro. A variedade de concepções e entendimentos sobre o agente comunitário de saúde e sobre a sua função, de que são portadores os demais membros da equipe do PSF, os diretores de unidades, enfim, os demais sujeitos dos Programas, evidencia a dimensão das expectativas a que ele teria que atender no seu dia-a-dia e, por conseqüência, algumas condições concretas de conformação de uma identidade.


Os desafios para o saber fazer e o saber ser


As considerações anteriores apontam alguns desafios para a atuação do ACS,
sistematizados aqui em seis pontos, sem preocupação com a ordem de
relevância: o contexto, a finalidade, a tecnologia, o trabalho em equipe, a
identidade e a formação.
Em primeiro lugar, há que se considerar a enorme variedade de contexto
em que se implanta o Programa, exigindo flexibilização em sua operação e, por conseqüência, nos processos e metodologias de preparação de pessoal. Como segundo ponto, há que se considerar a amplitude das finalidades do Programa, agregando aspectos não apenas baseados em formas de atuação distintas, mas muitas vezes antagônicas. É exemplo disso a compreensão de uma parte significativa dos problemas, a partir de sua vertente mais individual e biológica, ou mais coletiva e social; ou, em outros termos, uma vertente mais de vigilância a situações de risco e assistência a doenças mais prevalentes ou aquela da promoção da saúde e da qualidade de vida. Além da
questão da apreensão, há uma disputa pelo tempo de trabalho dedicado por cada profissional às suas diferentes funções. Em geral, quando há uma competição entre diferentes ações, aquelas cuja demanda é maior e têm uma rotina estabelecida, tendem a representar a parte maior do investimento do trabalhador. Considerando as diferentes funções do agente, pode-se identificar um relativo destaque daquelas relacionadas com a vigilância à saúde na sua vertente mais individualizada e clínica. Se, de um lado, esse é um aspecto importante do trabalho, pela sua potencialidade de identificar situações de maior vulnerabilidade individual (Mann et al., 1993), sabe-se que as ações baseadas em estratégias de grupo de risco têm um impacto reduzido na qualidade de saúde da população (Rose, 1988). Por outro lado, se a promoção da saúde representa uma modalidade de atuação promissora para melhorar a qualidade de vida (Gentile, 1999; Buss, 2000), ela carrega em si uma série de desafios. Sendo um campo recente de atuação, o conhecimento e a prática não estão sedimentados; de outro, para se produzir resultados, há necessidade de articular ações para além do campo da assistência à saúde, tecendo-se a rede das ações intersetoriais (Teixeira & Paim, 2000). Portanto, para uma efetiva mudança no quadro de saúde da população, um terceiro aspecto é desenvolver uma tecnologia de trabalho adequada às necessidades (Schraiber et al., 1996) não só na área da atenção primária, mas no plano das políticas públicas. Neste ponto, as questões são das mais problemáticas, desde a concepção de família e a abordagem adequada a essa, até as relações sociais em áreas urbanas e rurais, entre as quais está inserida a unidade básica e a equipe de saúde da família. Definir as competências e desenvolver os instrumentos de trabalho correspondentes exige prioridade. Entre as atividades dos agentes, a do cadastramento é considerada como relativamente mais bem estabelecida do
que o conteúdo das visitas subseqüentes (Silva, 2001). No entanto, mesmo para o cadastramento, além da capacitação do agente para levantar os dados preconizados pelo Programa hoje em nível nacional, há que se contar com uma observação apropriada das relações interpessoais e uma contribuição para discussão com a equipe das necessidades de saúde das
famílias. Para as visitas posteriores, se o objetivo é trabalhar com as famílias e a comunidade, identificam-se hoje determinadas estratégias como a valorização do diálogo - a conversa como instrumento de trabalho - e do apoio social, nas suas vertentes informação, empoderamento e instrumental (Robertson & Minkler, 1994). Para as relações sociais, os princípios da
solidariedade e da cidadania são marcos para o trabalho. No entanto, se é possível contar com objetivos gerais estabelecidos, para implantar uma oferta organizada de ações (Paim, 1995), há que se fazer desdobramentos dos princípios para a atividade cotidiana, conformando o saber, os
instrumentos e as formas de atuar (Mendes-Gonçalves, 1994), e preparando os sujeitos da prática. Daí emerge o quarto ponto, no caso a constituição de uma equipe integradora (Peduzzi, 1998), que elabore um projeto de trabalho voltado para a promoção da saúde e para a articulação da unidade básica com outros equipamentos e movimentos sociais. Quando o PSF é implantado em uma região com falta de estrutura de retaguarda para atenção médica especializada, grande parte dos esforços para integração se dá em torno do acesso à assistência individual. Um quinto aspecto, muito importante para o agente, é o da sua identidade. Silva (2001) constatou que, em situações concretas de ação e interação, o agente comunitário compõe dimensões técnicas e políticas do trabalho, pendendo mais para um dos pólos, institucional ou comunitário. Se uma parte significativa dos agentes considera o seu trabalho gratificante, quer pela possibilidade de ser útil, quer pelo apoio a uma população carente, sua atuação implica envolvimento pessoal e desgaste emocional. Espera-se do agente uma atuação no contexto social, tanto na participação popular, como na abordagem de problemas que escapam à dimensão estrita da saúde biológica, como a violência. O agente muitas vezes refere ansiedade tanto na sua relação com a comunidade como com a equipe, especialmente quando se sente pressionado entre ambos. Cabe lembrar que a não definição de uma tecnologia adequada às necessidades e finalidades do trabalho contribui para esse permanente foco de tensão entre as dimensões da prática, e para a alternativa de se hipertrofiar aquela mais técnica, de localização institucional.


Como um sexto ponto, destaca-se a formação dos profissionais para a
saúde da família, quando o maior investimento tem sido feito na
preparação dos profissionais universitários, médicos e enfermeiros. Se,
habitualmente, a qualificação do auxiliar de enfermagem privilegia as
funções mais comuns em hospital, como os procedimentos de coleta de
exame, aplicação de injetáveis, curativos etc, na atenção primária existe um
campo extenso de atividades educativas e de aconselhamento que
demandam uma habilitação adequada. O agente comunitário, por sua vez,
além do treinamento introdutório, um pouco mais abrangente, participa
(quando elas acontecem) de discussões temáticas conduzidas por médicos e
enfermeiros no nível local ou regional. Nos espaços de educação continuada,
encontram-se com freqüência os conteúdos tradicionais de conhecimento e
prática na área da saúde, havendo dificuldade de se dar conta da totalidade
das finalidades colocadas para o PSF.
Uma última contribuição ao debate: quais seriam as estratégias para o
desenvolvimento do trabalho do agente comunitário? Elencam-se algumas
que aparecem, hoje, como mais produtivas: 1 o desenvolvimento de planos
integrados para a área social comprometidos com a eqüidade; 2 o
envolvimento maior dos agentes e de parte da carga horária da
equipe com atividades coletivas e comunitárias; 3 um investimento
maior em atividades de supervisão dos trabalhos, pois se a formação
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DEBATES
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básica ou o treinamento específico é necessário, a manutenção da qualidade do
trabalho se faz mediante atividades de supervisão e de reflexão; 4 considera-se
que a supervisão dos agentes comunitários deveria cobrir os diferentes ângulos
do seu trabalho: as visitas domiciliares, com especial atenção para os casos/
casas que constituem situações de maior vulnerabilidade; as atividades
comunitárias, que podem ter sua origem em programas da área social ou
serem atividades reivindicativas de direitos de cidadania; a situação de
trabalhador do agente, identificando sofrimento e apoiando formas de lidar
com conflitos; 5 finalmente, para a construção de novas práticas e do
conhecimento correspondente, há que se investir sempre em pesquisa, quer de
natureza mais operacional, na avaliação de processos e resultados, quer de
teorias acerca do trabalho e da sua organização.
Nessa perspectiva, há necessidade de desenvolvimento e incorporação de
tecnologias que apóiem a identidade do agente comunitário, integrando as
diferentes dimensões de sua atuação — as previstas e as necessárias— e de
preparação de todos os demais sujeitos do Programa, e não apenas o agente
comunitário de saúde.
Para concluir, quando se colocam em questão o trabalho e o saber do agente
comunitário de saúde, parece-nos ainda muito atual, para 2002, lembrar e
ressaltar a propriedade do modelo sugerido para a capacitação dos agentes de
saúde do Projeto do Vale do Ribeira, em São Paulo, na primeira metade da
década de oitenta (Silva, 1984) que, segundo os coordenadores, visava atingir
duas preocupações centrais:
a primeira, fortalecer o compromisso e a solidariedade do agente de
saúde com a comunidade e a segunda, prover condições para a
apropriação, pelo agente de saúde, do instrumental adequado e
necessário para lidar com os problemas de saúde do grupo.
(Silva, 1984, p.33)
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TRAJANO SARDENBERG, 2001

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